Historia do Paulino

A black man is seated and looks at the camera smiling.
Paulino

Para o Paulino eu sou uma super-mulher. Eu, que nem consigo cuidar de mim mesma. Ele me chamou assim pela primeira vez quando liguei o telemóvel dele ao sistema de audio do carro do trabalho, assim que ele podia ouvir as suas musicas em quanto conduzia. Na verdade sempre foi bastante tecnológica, mas nunca pensei ser uma super-mulher por isso.

Paulino me chamou assim outras vezes, depois desse primeiro dia, e cada vez me sinto surpreendida e – vou ser honesta – orgulhosa. Conheci o Paulino em Junho 2017, quando precisávamos dum motorista para o projeto que eu estava a gerir em Benguela, e sempre pensei que era um prazer trabalhar com ele. Com certeza tinha momentos maus, momentos em que o trabalho não ia como deveria, mas desde o principio eu sabia que podia contar com ele para as coisas importantes. Na verdade, em alguns momentos, foi ele o meu super-homem.

Portanto, a nossa relação de trabalho foi geralmente positiva. Acho que a nossa amizade, por outra parte, começou quando, num momento em que o trabalho estava a ser muito estressante, decidimos ir a uma discoteca juntos (e junto a um par de amigos), numa sexta-feira, para ouvir uma das nossas cantoras preferidas ao vivo. Sempre gostamos de ouvir musicas boas no carro mas nestes dias estávamos a repetir sempre as musicas da Liriany.

A white woman and a black man laughing in front of the camera.
Me and Paulino, on that famous night at the club

Com os meus colegas Angolanos já tínhamos feito jantares juntos, mais nunca tínhamos saído na noite para ir a dançar. Nem sabia se ele iria estar realmente ai, pensava que ele iria a não vir porque, no final, eu era a chefe dele. Contudo, quando eu e os meus amigos chegamos na discoteca, ele estava ai. Passamos a noite a beber juntos, cantando as musicas da Liriany, falando das nossas vidas e dançando até a discoteca fechar. Foi uma noite bonita, que ainda fica na memória dos dois como um momento marcante, e foi o momento em que comecei a conhecer ele melhor.

Paulino nasceu no ano 1985 em Cubal. Junto a família, tiveram que fugir de Cubal por causa da guerra, quando ele tinha apenas 12 ou 13 anos. Foram entre as pessoas que tiveram a possibilidade de ir a Benguela com um avião militar, em quanto muitos outros tinham que fugir de pé, e caminhar por dias entre diferentes perigos para chegar até a sede da província. O jovem Paulino era contente de ir a Benguela, porque tinha ouvido muito da cidade, e queria viver perto do mar.

Ele afirma que não se lembra muito do tempo da guerra, mas com certeza se lembra os disparos, os barulho das armas, as mortes e a única irmã (entre 4 irmãos) que faleceu com 3 anos por causa das condições difíceis em que se encontravam durante este tempo. Na cabeça, ele tem a imagem de ele mesmo, criança, a ver a batalha acontecer fora da casa dele. Acho que estas imagens podem te marcar no fundo, e quando penso nestas coisas me pergunto como Angola conseguiu chegar até o ponto em que é agora, quando uma guerra tão comprida terminou a tão pouco tempo.

De toda maneira, a família se estabeleceu em Benguela, e Paulino se apaixonou por esta cidade, ao ponto que não voltou a Cubal até 2010. Muitas vezes eu e ele, quando estávamos de viagem, brincávamos falando das saudades de Benguela que tínhamos, porque é a nossa cidade.

O irmão mais velho dele foi em Cabinda em tempos de guerra para fazer negócios. Ja que Cabinda era difícil a ser alcançada, levar coisas de barco a partir de Luanda para as vender là era um bom negocio nestes tempos. Depois de se separar da sua esposa em Cabinda, não quis voltar a Benguela e ficou em Luanda, para apoiar a família com os seus negócios.

O Paulino decidiu trabalhar quando tive a primeira oportunidade, e foi operador de maquina numa fabrica de sal. Descreve este trabalho como o pior entre os que ele fez, por causa da barulho continuo das maquinas e do perigo que os operadores enfrentavam quotidianamente (um colega dele perdeu o braço quando ficou distraído no trabalho).

A black man wearing modern western clothes sitting on top of an abandoned tank. Next to him, a man and a woman wearing traditional clothes are standing on top of the tank.
Paulino with members of the Ganda Cultural Group on top of an abandoned tank, close to Ganda.

Por outra parte, ele gostou muito de trabalhar em marketing por uma empresa de venta de vinhos, porque deu a ele a oportunidade de conhecer muitas pessoas. Ele brinca em me contar que ser muito conhecido tem muitas vantagens, como não ficar a esperar nas filas e ter mais oportunidades, mas eu sei que, em geral, ele gosta de conhecer pessoas novas e de interagir com elas. Além desses, o Paulino fez muitos trabalhos, e valoriza cada um deles por o que aprendeu.

Paulino conheceu a Nadi, mulher dele, quando tinha 22 anos, e ela 18. Foi um grande amor desde o inicio, e ela ficou gravida em pouco tempo, o que fez que os pais dela se preocuparam e tentaram os separar, dizendo que os dois não eram suficientemente maduros. Quando o bebe nasceu, os pais dela mandaram ela a viver com a família do Paulino. Os dois ficam juntos (mesmo que ainda não estejam casados) e, até agora, tem 3 filhas.

Quando pergunto a ele se agora acha que os pais dela tinham razão, ele responde que sim, tinham razão, mas que ele não se arrepende e que esta feliz de ter tido filhos em quanto ainda era jovem. Lhe pergunto o que ele faria se a filha dele se encontrasse na mesma situação da Nadi, e ele ri. Diz que não faria o mesmo que os pais da Nadi fizeram, porque sabe que eles só são pais, e não são donos da pessoa. Se a filha quer namorar, ele não pode proibir: só pode mostrar a ela o caminho.

Acho que esta questão representa o que mais gosto do Paulino: ele é uma pessoa muito curiosa, sempre pronto a aprender e a rever a maneira dele de pensar. Chegou no nosso projeto um pouco mais tarde dos outros colegas, mas conseguiu inserir-se perfeitamente, construindo amizades verdadeiras com todos e todas. Pessoalmente, amei os momentos passados a ouvir boas musicas no carro, e as vezes penso que, sem esses momentos, o meu trabalho teria sido muito pior.

Escrito por: Caterina Manzi